Tenho duas mensagens marcadas como não lidas no meu LinkedIn procurando uma profissional de marketing para trabalhar com empresas de Londres. Não respondi, mas também não deletei e nem declinei ou aceitei a conversa. Ainda.
Comentei há algum tempo que o pesadelo de todo freelancer veio ao meu encontro há alguns meses e perdi 2/3 dos meus clientes. Foram três anos trabalhando com ambos e, puff, como num passe de mágica ambos decidiram seguir caminhos diferentes no mesmo mês. Perdi 80% dos meus ganhos mensais assim, sem sobreaviso.
Há quatro anos aconteceu algo semelhante. Eu trabalhava para um cliente australiano há mais de ano, e um dia eu acordei sem conseguir acessar meu email profissional. Meio confusa, fui mandar uma mensagem para o meu chefe pelo meu email pessoal e lá estava ele, uma mensagem me “desconectando da empresa” porque estavam treinando alguém que estivesse no mesmo fuso horário que eles. Como eu tinha acesso a informações extremamente delicadas da agência, ao invés de confiarem que eu não ia roubar nada ou, sei lá, tacar uma bomba na sede virtual deles, decidiram me desligar de tudo primeiro e me enviarem um email de um parágrafo. Fofos.
Na época, fiquei preocupada de perder minha fonte de renda, é claro, mas também tive uma sensação enorme de liberdade. Não porque não queria trabalhar (quem quer? kkkkk), mas porque eu poderia, finalmente, ter um tempo para pensar no que eu gostaria de fazer dali pra frente. Eu já trabalhava remoto há seis anos sem nunca ter tirado férias. Alguns meses de tempo livre se passaram e, do nada, ofertas começaram a aparecer no meu email. Uma colega de trabalho que não falava comigo há 10 anos. Um amigo que estava precisando de dinheiro e queria fechar um projeto que ele não conseguiria fazer sozinho. Uma resposta dos “Easy Apply” que de vez em quando eu desembestava mandando no LinkedIn preocupada com as contas do mês.
No meu medo horrendo de voltar a um período da vida que me destruí emocionalmente e fisicamente preocupada com dinheiro, mordi a isca. "Não se nega dinheiro assim”. Talvez eu não estivesse cansada das minhas tarefas que repito há quase 15 anos como publicitária. Talvez clientes novos e legais resolvessem tudo.
Corta a cena para 2024 e eu me sinto no repeat. Coincidentemente, até na Itália eu estou. De novo. Talvez hoje a noite, quando eu checar minha conta bancária e ver minhas economias diminuindo quando pagar seis euros na pizza margherita aqui em Napoli (baratíssima, aliás), eu acabe enviando meu currículo para aqueles recrutadores.
Já vejo a história se desenrolar de novo como um filme e a memória começa a me enganar. Será que eu não consigo aguentar um pouco mais? Passar mais alguns anos fazendo isso? Empurrar com a barriga mais um pouquinho? Guardar um pouco mais de dinheiro? Adiar a realidade que eu me sinto estagnada profissionalmente há muito mais tempo do que deveria?
Minha maior ambição de vida é estar em constante aprendizado. É assim que eu torço para me manter jovem para sempre. Não visualmente, é claro, mas manter a minha mente curiosa e ativa é tudo que eu posso fazer para tentar me garantir uma aposentadoria sã (uso “aposentadoria” como figura de linguagem para envelhecer, porque a gente sabe que não vamos nos aposentar, especialmente os autônomos). Se alguma situação, cidade, conversa, relação, pesquisa, leitura não está me ensinando alguma coisa nova, eu não vejo motivo para continuar. Foi isso que aconteceu com a minha profissão. Eu ainda quero escrever um pouco sobre progressão de carreira como freelancer (algo que possivelmente irá parar no Passaporte Freela), mas eu me sinto enfiada num mesmo universo profissional desde 2008. Me dá tédio só de escrever isso.
"Não se mexe em time que tá ganhando”, minha mãe gosta de falar quando eu comento o quão infeliz estou de fazer o mesmo trabalho há tantos anos. Eu entendo e concordo… até certo ponto. O time está ganhando mesmo se os jogadores estão todos morrendo de tédio, desesperados por uma distração qualquer que não o jogo?
Eu nunca tive a pretensão de que trabalho deveria ser minha maior fonte de prazer e propósito da vida. Não será. Minha vida é interessante demais pra isso acontecer, mesmo se meu trabalho for incrível. Viver como nômade digital e chamar mais de 40 países de casa na última década já dá interessância suficiente no meu cotidiano, e eu já tenho histórias pra contar até dizer chega.
Há quatro anos o medo de dizer “não” me parou. A oferta de continuar no mesmo caminho foi tentadora demais porque, no fundo, eu estava em pânico. Hoje eu continuo em pânico. Mas não dá mais pra ignorar. Eu tentei silenciar uma parte de mim que gritava por atenção em troca de dinheiro, porque a vida é assim. A gente tem que se vender às vezes. Se passaram quatro anos e eu ainda sinto a mesma inquietação, que agora parece ainda mais urgente do que antes.
É fácil continuar jogando o jogo que a gente já sabe as regras de olhos fechados. Mas é a forma mais feliz de viver a nossa vida?
Será que é normal mesmo repetir a mesma coisa de novo, e de novo, e de novo, até a exaustão, para conseguir pagar nossos confortos e nossas cervejas que afogam as reclamações das escolhas que fizemos uma vez na vida e que agora nos prendem num labirinto que não parece ter saída?
Também estou imerso em uma crise profissional/existencial que já dura mais tempo do que eu gostaria. Começou em 2020, com a pandemia, mas neste ano a inquietação tomou uma dimensão maior, chegando a um ponto d’eu falar: “para que eu quero descer”. Como você descreve, de certa forma, também tenho sofrido pra decidir pra onde realmente quero ir. Sempre brinco com meu psicólogo que é mais fácil para mim dizer o que não quero do que o que quero. E há uma verdade nisso: nossa mente é mestre em encontrar razões para evitar a mudança. Embora essas razões possam ter algo de verdade, muitas vezes elas escondem um motivo muito mais profundo. O principal – e talvez mais sutil – pelo qual resistimos à mudança é que ela coloca em risco nossa identidade e o modo como os outros nos veem. A psicologia social, inclusive, tem muita literatura sobre como lutamos para manter nossa identidade social intacta e evitar qualquer “desequilíbrio”.
Para contribuir, encontrei uma newsletter interessante um tempo atrás (https://mindy.substack.com/p/to-make-a-career-change-first-answer) com um exercício que foi um bom ponto de partida para mim. Para que funcione, é preciso se abrir e responder com o coração – o que torna tudo mais desafiador. A autora também tem outros conteúdos sobre o tema que recomendo. Boa sorte na sua jornada!
E pensar que você tem só 34 anos... O trabalho nos trás identidade e vigor, e como podemos fazer todos os dias algo que já nos tirou a brilho de vida? Creio que a vida é um eterno recomeço e são nesses recomeços que a gente renasce. Te desejo uma linda caminhada nesse redescobrimento e tenho certeza que te trará novos aprendizados.