O terror de qualquer freelancer aconteceu comigo e eu perdi meus dois maiores clientes no último mês, depois de três anos trabalhando com ambos. Ao invés de sair correndo atrás de novas fontes de renda como minha família me aconselharia aos berros, eu tenho dinheiro guardado para conseguir parar, refletir, dar uma surtada e pensar no que eu vou fazer depois com uma certa calma. Um privilégio gigante que eu não me dou crédito o suficiente.
Estou há tempos evitando uma reflexão profunda sobre a minha vida profissional e o que eu quero fazer do meu futuro. Eu trabalho com marketing digital há dezessete anos, desde quando eu fazia estágio e escrevia no finado Yahoo Respostas assinando como uma grande marca de cuidados para o corpo – fun fact, eu tinha 19 anos, era ruiva, morava com meus pais e dava dicas de cuidados para gestantes. De uma forma ou de outra eu ainda faço algo muito semelhante, só que numa estrutura muito mais profissional, já que hoje trabalhar com publicidade digital não é mais o ~trabalho de gente doidinha~ que era quando eu comecei aos 17 anos. Isso significa que faz dezessete anos que eu escrevo e crio estratégias para marcas no digital. Metade da minha vida. E eu cansei.
A verdade é que dinheiro é realmente muito convincente, porque eu cansei há muito tempo. Não apenas cansei mas me sinto estagnada, sem aprender nada novo relacionado ao meu trabalho há muito tempo. Como o universo me abençoou com um cliente quase indo a falência e outro mudando a estratégia de comunicação, eu vi isso como um sinal.
Um sinal para mudar tudo. Só que sem saber pra onde.
Andar no piloto automático é fácil, especialmente quando os boletos estão pagos e você vive uma vida pessoal ótima. É por isso que o movimento de não sair correndo e pular em qualquer coisa meio no desespero é, de certa forma, uma coisa meio anarquista: ele te dá a chance de repensar seus valores, o que você realmente acredita, e para onde gostaria de caminhar. É pegar esse espaço intelectual que eu utilizava para pagar as contas e pensar no que quero da vida (e como chegar lá). Também é meio aterrorizante.
Digamos que minha melhor qualidade (fonte: eu) é que eu sou uma pessoa curiosa. Extremamente curiosa. Eu acho essa a parte mais legal de ser quem eu sou. Notar que eu estava completamente esvaziada, com preguiça dos meus próprios pensamentos me deixou horrorizada. Trabalhar de forma independente, sem trocar com ninguém, dentro da mesma área há tanto tempo, me deixou envolvida num ciclo vicioso chato. Repetitivo. Quase como o algoritmo do Instagram.
Você pode fazer uma viagem de ônibus de 5 horas só olhando pela janela e ela ser maravilhosa porque seu cérebro está pensando em COISAS. Sonhando, se questionando sobre a velocidade daquela moto caindo aos pedaços, analisando aquele cactus que você nunca viu antes, pensando em soluções para sua amiga que cortou o cabelo e ficou péssimo, tentando lembrar o nome do supermercado asiático daquele livro que a personagem chorou dentro, inventando uma teoria de como conseguem escrever o roteiro daquelas cenas do The Bear em que todo mundo fala um em cima do outro ao mesmo tempo. Tudo isso é curiosidade.
O tédio é um silêncio profundo que faz um barulho insuportável.
Alguns me sugeririam um hobby, um livro novo ou arranjar sarna para me coçar. Mas eu não sou a única pessoa no mundo que está apática com o que paga suas contas. O que eu normalmente falo quando pessoas dessa laia me pedem conselhos é que elas encontrem uma forma de viver que valha a pena, tratando o trabalho como ele realmente é: o que pagar suas contas.
Só que quando você para de aprender, seja no trabalho, na vida pessoal, no namoro ou em qualquer situação da vida, essa é a hora de pular fora. Vazar. Correr. Sumir. Porque a régua de conhecimento do universo continua aumentando, cada dia tem mais coisa pra você aprender por aí, então podemos considerar que, na verdade, ao parar de aprender algo novo você está instantâneamente emburrecendo em velocidade muito rápida. E ser burra é foda.
É difícil ter sonhos quando você está entediado porque tudo parece um saco. Seu futuro está iminentemente fadado ao fracasso porque não tem nada nesse mundo inteiro para trabalhar que seja interessante. O tédio é, pra mim, exatamente isso: a falta do pensar. Essa generalização tosca que a gente faz pra não ter que ir a fundo. Agir no piloto automático num trabalho que não te ensina mais é entediante. Olhar as mesmas referências que o algoritmo te entrega é entediante. Procurar um trabalho novo para fazer a mesma coisa que eu faço há 17 anos será, para a surpresa de todos, entediante.
Eu estava, na verdade, entediada dos meus próprios pensamentos.
A psicanálise diz que o tédio vem, na verdade, de um silenciamento do que acontece dentro da gente. A pessoa que passa quarenta minutos te contando da vida dela sem respiro, por incrível que pareça, não é a responsável pelo seu tédio. A responsável é você que não se dá a liberdade de pensar o que gostaria de pensar daquela conversa. Pode ser algo horrível que você gostaria de reprimir, ou uma vontade profunda de algo que está tentando ignorar, como por exemplo mandar ela tirar a cabeça do próprio cu. Como um bom samaritano, você protege a sociedade silenciando algum desconforto dentro de si. E aí não tem mais a menor paciência para si mesmo.
Analisar esse tédio de frente é essencial para começar a entender o que eu quero e o que não quero daqui pra frente. Como uma criança que precisa do tédio para pensar criativamente numa brincadeira nova, é isso que eu tô tentando fazer (apesar dessa brincadeira precisar, em breve, pagar as camas ortopédicas da minha cachorra).
O tédio não é uma recompensa dos privilegiados. É uma síndrome dos que pararam de imaginar.
“O tédio pode ser um forte indicador de que é hora de mudar nossos objetivos ou, pelo menos, algumas atividades envolvidas na sua busca. […] Embora possa nos forçar a mudar de objetivos, ele não é capaz de indicar qual objetivo devemos seguir.”
A Psicologia do Tédio, Psychology Today
Outro dia, ouvindo uma entrevista com o escritor Neil Gaiman, ele menciona que uma das estratégias que ele usa para escrever é se isolar em algum lugar e ficar 100% livre para não fazer NADA. Só que ele só tem duas opções: ou ele escreve, ou ele faz literalmente nada. Ele pode passar duas horas olhando pela janela, mas não pode ir até lá cortar a grama ou limpar a mesa da cozinha. Para a surpresa de ninguém, Gaiman diz que esse tempo sem fazer nada é essencial para sua escrita – não só porque de repente escrever se torna super tentador, mas também porque deixa ele mais inspirado sobre o que ele vai escrever.
Talvez seja mais sobre isso. Olhar pela janela sem fazer absolutamente nada é mais importante do que a gente imagina. Procurar coisas que não cabem nos inputs que os outros te dão, que não são entregues pelo algoritmo das redes sociais, fazer conexões sozinha, se aprofundar num assunto sem precisar pensar se “isso daria um post”.
Quando somos crianças, todo mundo quer que a gente invente brincadeiras novas para ~exercitar nossa criatividade~. Já adultos, costumamos reprimir o fazer nada como o maior pecado existente, coisa de vagabundo – tenho certeza que tem alguma passagem na Bíblia sobre isso. Não sei quanto tempo vou conseguir lutar contra minhas vozinhas internas gritando que eu preciso fazer dinheiro, mas é no fazer nada que eu estou reencontrando a minha curiosidade, e é através dela que vou encontrar algo que, talvez, vá me satisfazer lá pra frente. Ou pelo menos pelos próximos seis meses.
Por isso, se você me ver por aí sentada num café olhando para o nada, saiba que estou voltando a me entreter com meus pensamentos e minha curiosidade. O próximo passo é descobrir o que fazer com eles.
Ferramentas Para Aprender Idiomas
Há algumas semanas eu compartilhei algumas dicas de como estou estudando italiano e entramos numa conversa bem legal sobre referências e formas de aprender sem sentir que está estudaaando de verdade (meu jeito favorito).
Aí tive a ideia de separar um documento para ter guardado de referência com todas as ideias que me enviaram, e que servem para qualquer língua! Para ver o documento, é só clicar aqui.
Se você está aprendendo italiano também, no fim desse documento tem outro link com alguns dos materiais que eu tenho usado (séries, canais do youtube, pessoas que sigo etc). Aproveite :)
Enquanto escrevia essa newsletter, achei esses textos muito interessantes (todos em inglês):
Oi, Debbie! Te entendo demais, em cada vírgula. E acredito que fazer essa pausa vai te fazer encontrar um novo caminho que traga prazer. Quero saber depois detalhes dessa nova empreitada!
Muito bom te ler de novo! Acho muito doido como você sempre traz coisas que eu estou pensando/questionando. Algumas pessoas até poderiam dizer que são energias, alguma lei ou força da física, mas creio que vivemos numa bolha muito parecida: freelancer, marketing digital, viagens, catiorros, 30+, etc. É bom saber que não estou me questionando sozinha, acho que parar para pensar, respirar, recalcular ou não a rota faz parte do amadurecimento. Essa fase dos 30 traz muitos questionamentos. Estamos no meio da vida, somos jovens, mas não tão jovens assim. Tomar decisões está cada vez mais difícil, pois esse era o momento para estarmos estáveis, decididas do que queremos e apenas seguindo o fluxo. Mas não foi isso que aconteceu, que bom! Poder tomar a decisão de procurar ou não sarna se para de coçar já diz muito sobre aonde você chegou e acredito que você está indo no caminho certo.